Caminhando pelo centro da cidade ouvi uma senhora argumentar com um
rapaz o seguinte: “Estamos próximo do dia 25 e pouco se fala do Natal”. Continuei
o meu percurso, no entanto, fiquei a pensar nesta frase, e decorridos alguns
minutos a memória rebobinou um fio de lembrança. Na inocência de criança, na
noite que antecedia o Natal, tomava banho antes do anoitecer, vestia uma roupa
nova, calçava o chinelo (muitas vezes o sapato), jantava e tão logo o dia
adentrasse a noite já estava pronto para ir dormir e agasalhar o calcante em
baixo da rede. “Papai Noel só vai dar presente para quem tomar banho e dormir
com o calçado debaixo da rede”. Explanava a genitora que queria que os filhos fossem
dormir só depois de tomar banho e que andassem sempre com os pés calçados. Eu
acreditava na bondade do bom velhinho. Ansioso, deitava cedo da noite para
receber o presente. Acordava na madrugada, ainda com um escuro de meter o dedo
no olho, e passava a mão debaixo da rede para ver se tinha presente. O embrulho
estava lá. Era uma alegria imensurável. Eu não conseguia mais dormir com tamanho
contentamento e acordava os demais irmãos para compartilhar a felicidade.
O que mais ganhei de presente de Natal foi bola. Todas de borracha,
aquelas mesmo bem comuns. Logo que o dia raiava eu corria na casa da minha avó
que ficava a alguns metros para contar o que tinha ganhado e chegado em
disparada falava: vovó, Papai Noel mim deu uma bola, no ano passado ele também
mim deu uma bola. Minha avó retrucava: “Pois ele quer que você seja um jogador
de futebol, te deu outra bola”. Ouvindo essas palavras eu colocava a bola no
chão ainda dentro da casa e saia chutando e correndo atrás. Diante de tanta
empolgação, meus irmãos mais velhos começaram a revelar o segredo afirmando que
não era o velho de barda longa, vestido de roupa vermelha e que andava com um
saco cheio de brinquedos quem colocava os volumes debaixo da rede, e que tudo era
uma farsa. Não acreditei. Revidei aquele insulto. Eu não podia ouvir expressões
com tamanha barbaridade de um senhor que andava distribuindo presentes para as
crianças na calada da noite.
Tempo depois, os presentes cessaram. Já grandinho e abandonado pela
infância, descobrir que era minha mãe, minha avó e minha tia as autoras de
tanta felicidade a este “menino que ainda existe”. O tempo muda e os valores
pouco a pouco vão se perdendo. A relação das crianças com o Papai Noel não tem
mais o mesmo significado que tinha outrora. O advento da tecnologia adentrou nas
casas e emancipou a infância da molecada. As liturgias feitas em vésperas de
datas significativas evadem-se a passos largos. As manifestações como as festas
do Natal, Reisado, dança de São Gonçalo, Semana Santa, dentre outras, com o
passar do tempo estar desmerecendo o sentido no quesito o qual era tão celebrado.
As datas típicas marcadas no calendário, que são dignas de comemorações pelas suas
passagens e marcadas com muita apreciação até então, perdem-se no tempo. Resgatando
o retrato da realidade para o momento inerente, pouco se ouve falar e/ou
praticar o ritual de algumas culturas que em um passado próximo eram festejados
na sua essência. Eu faço a minha parte, faça a sua. Cultura é identidade.
(*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail:
josselmo@hotmail.com
Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 28/12/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).
Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica
no endereço abaixo:
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