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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Nobre missão

 A necessidade de imprimir a marca no mundo da existência faz o poeta, o cronista, o contista, o romancista, o historiador, dentre tantos outros gêneros, a recorrer “as penas do ofício” e projetar a construção da caminhada conforme a sua necessidade. A temática de cada texto surge no percurso obedecendo ao estado de espírito do letrista. As palavras lançadas na comunicação com o mundo da vivência servem para ensinar, informar... E como terapia para as agruras. Os vocábulos são usados na sombra da ficção de mentira para encapar as lembranças da memória. Umas usadas à luz da verdade, outras usadas no ludíbrio da escuridão. Nos dois lados da moeda, quando em um a nobre missão transforma os ditos em palavras revolucionárias, o outro faz renascer a liberdade nos termos da própria palavra.

            Nem sempre as palavras plantadas em um discurso toca o coração das pessoas, e nem por vezes, as emoções germinadas em um pedaço de papel alimenta a reflexão persuadida. A literatura está a toda a nossa volta: na bula do remédio, nos livros de ciências exatas, nos livros didáticos, nos jornais impresso, na internet... A escrita está impressa de várias formas, temáticas, estilos e gêneros. Todas as configurações da grafia têm o seu valor exposto incalculável. Não importa o seguimento a qual as palavras estejam se dirigindo.
Escrever palavras é conversar no intervalo do momento em pulsação. Na argumentação de Fernando Pessoa “escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e o representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso”.
            Literatura é consciência, dá voz à indignação e abranda a ignorância. O momento representado pela ilustração da visão mim faz escrever sobre o tudo em volta. No entanto, as gravuras nascem de um espanto. Escrever sobre um determinando tema sem um tropeço para um susto é causticante. O êxtase é necessário para fazer brotar a escrita. Com o abalo os assuntos decorrem naturalmente. Já sobre mim não escrevo muito, tenho preguiça. É muito cansativo. Como Clarice Lispector “não escrevo com a intenção de alterar nada, escrevo o que sou...” Escrevo as pedras espelhadas pelo meio do caminho, as lindas flores das árvores espinhosas. Separo o real do devaneio e uso a verdade para contar a ficção de mentira. A missão é misturar letras em palavras e desenhar o cálculo da reflexão do tempo presente.

(*) JOSSELMO BATISTA NERES

E-mail: josselmo@hotmail.com
 

 Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 27/01/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Cerca de pedra II

A liberdade dos povos antepassados estava além dos limites das cercas de pedras. Na dura caminhada os cidadãos deixaram os rincões e foram ao encontro da modernidade. Despovoaram as casas de taipa no centro dos cercados de blocos de pedras empilhadas um sobre o outro e desceram do “pé de serra” pelas veredas até chegar ao asfalto da civilização. Trocaram a vida pacata do roçado em que moravam em casas de pau a pique cercadas por grandes extensões de cercas monumentais para viverem na cidade preso em casebres cercados por cercas elétricas e vigiado vinte e quatro horas pelos olhos das câmeras de segurança espalhadas por todas as esquinas. O homem e a mulher do tempo presente vivem encarcerados por grandes estruturas de ferro e cimento e ao entorno de todos os pormenores que o progresso a impõe. A emancipação da vivência rústica veio de encontro à falta de segurança vivida pelas pessoas de bem, e diante do novo quadro, moram enchiqueiradas pelas muralharas antissocial.

O homem quase que por completo abandonou a engenharia das construções das cercas de pedras e passou a rodear os quintais com arame farpado, estacas de madeiras e ou de concreto. As cercas de outrora ficaram obsoletas no arrastar das centenas de anos e entra para a história (pelo menos na escrita deste que vos escreve), como patrimônio histórico, sociocultural e econômica do povo brasileiro. Os blocos de pedras colocados um sobre o outro formando uma parede, no momento em pulsação contam a história da ocupação do homem no limiar do território em uma época primitiva. Construídas compulsoriamente com o suor e lágrimas, as esculturas monumentais, é um testemunho vivo do desbravamento dos moradores do torrão e expressa a história dos ancestrais fundadores de fazendas, freguesias e cidades. Cada pedra ali colocada uma a uma, alinhadas é um registro permanente do legado deixado pelos ascendentes. As cercas são uma verdadeira obra de arte. Monumentos da Nação. 

A moradia interiorana em que viva os cidadãos entre os cercados de pedras aos poucos foram sendo desabitadas em prol das arquiteturas modernas do “mundo civilizado”. As engenhosas esculturas rudimentares com o tempo foram sendo surrupiadas para serem utilizadas como matéria prima nas construções civis. A emigração tornou-se um fato e as periferias dos centros urbanos passaram a ser uma problemática pela falta de estrutura para abrigar os retirantes. Com a modernização e evolução da civilização, a literatura encarregou-se em transformar o semear dos ditos das cercas de pedras em um emaranhado de palavras, com o sentido de alcançar, um tanto quanto, a mesma durabilidade das pedras fincadas nas cercas e levar a se arrastarem na eternidade. Só as letras enfileiradas em registro, como as pedras nas cercas, poderão alcançar tamanha façanha. 



 (*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com

Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 20/01/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Cerca de pedra I

Presas na solidez do tempo, as cercas de pedras representa a expressão histórica de uma época. Autênticas esculturas. Engenharia primitiva elaborada pela criatividade dos senhores que desenhava o projeto da construção dos cercados ao redor das fazendas e a execução ficava a cargo do suor do trabalho compulsório dos escravos. Há centenas de anos, muitas cercas de pedras, que considero como um “monumento à herança das almas antepassadas” estão embrenhadas nos cafundós das chapadas e pouco se dar o valor necessário da grandiosidade dos princípios matemáticos empregados para elevar as muralhas. O enfileiramento de pedra é feita com a utilização de recursos naturais, colocando uma pedra em cima da outra, de forma manual, sem água, cimento, areia ou qualquer outro tipo de matéria prima, e construída sem agredir ao meio ambiente e obedecendo todas as discussões do desenvolvimento sustentável. Os monumentos históricos é um tipo de edificação permanente que ultrapassa os limites dos tempos. A pulsação constante “não corrói, e se porventura a estrutura vier a cair, o material de reconstrução permanecerá no local”. São poucas as ações do homem que oferece a durabilidade eterna e as vantagens oferecidas nos transcursos da vida.  
Cada pedra de uma cerca é uma página da história que eterniza a vida dos antepassados que viveram no torrão. Os paredões de pedregulhos estabeleceram os limites do progresso econômico e a história de cada região ali fincada. Quando observo as centenárias cercas abandonadas e expostas ao desmancho para a utilização das suas pedras em alicerces e em outras obras da construção civil, é com um pesar que vejo o destino do patrimônio que faz parte da nossa cultura ser destruída de tal forma. O pior é ter que conviver com os descasos das cercas que deveriam ser preservadas e ainda testemunhar a brutalidade cometida pelo ser humano. Ver as criações humanas que conta a nossa história desaparecerem ao sabor do vento é no mínimo um infortúnio. Alguns proprietários de lotes de terras, os quais, são cortadas pelos monumentos, usa como discurso para justificar a desconstrução da história, a conversa fiada que as fundações rudimentares atraem alguns tipos peçonhentos.    
As cercas devem ser reconhecidas como uma verdadeira obra de arte, fazer parte do patrimônio histórico, cultural e turístico brasileiro e os construtores tombados pelos institutos socioculturais como verdadeiros artistas. É uma parte inestimável da expressão do progresso escrito pelos ancestrais através do empilhamento dos corpos duros retirados da natureza. Com o passar dos anos os moradores do torrão desceram dos entornos das chapadas pelas veredas, (êxodo como chamamos o processo migratório dos novos tempos), para reescreverem uma nova jornada na solidez do chão e darem os primeiros passos para as gerações vindouras continuarem a caminhada pelas vias asfaltos da história. O tempo é dinâmico.  

                                                           (*) JOSSELMO BATISTA NERES                                                                                            E-mail: josselmo@hotmail.com

 Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 12/01/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A carta



Não chego a ser um colecionador, no entanto, quando vejo um objeto antigo, principalmente com os jogado ao acaso, aproximo dele quase que espontaneamente para buscar o seu valor, a importância que teve em outrora e o significado que este representa no tempo presente. Em uma das visitas à casa do meu avô materno na localidade Canto da Volta, observei alguns cacarecos espalhados ao léu. Toda vez que vou à casa construída pelo meu avô, fico admirando a estrutura do monumento arquitetônico, por fora e por dentro. A última vez que fui ao seu encontro a olhei em todo o seu entorno como se estivesse procurando uma agulha no palheiro. O que eu estava procurando? Nada. Aliás, tudo. Não sei, acho que só para matar a saudade das algazarras ali dos tempos de então e a ânsia da curiosidade. Com um olhar afiado, vi no quintal um amontoado de coisas atirado ao conto do cercado e entre um troço e outra encontrei um caderno que em meio a algumas poucas folhas amareladas, deparei-me com uma Carta. Isso mesmo caro leitor, uma Carta escrita à tinta de caneta com os ditos do meu avô, que, os quais transcrevo com todas as palavras e da mesma forma que foi estampado:
“Canto da Volta, 31 de 07 de 1985
 Francisco,
O fim desta é lhe dizer que aqui esta tudo com saúde graças a Deus e ao mesmo tempo lhe dizer que uma casa que tem ai para vender que a Dona esta pedindo CR$ 2.300.000,00 (dois milhão e trezentos cruzeiros), se você achar que é um negócio de futuro eu vou comprar, precisa você mandar dizer as condições, se causo o negócio der certo você me escreva o mais breve possível que eu irei na semana vindoura ou na outra semana, agora só posso ir se for um negócio certo, estou muito aperreado com serviço.
Sem mais só lembrança de todos de casa.
Ass: (abreviatura que quer dizer Assina) Luis Leal de Moura Santos.”
Não sei se o teor dessa correspondência chegou ao seu destino. Se chegou, esta provavelmente seja um rascunho da enviada. Quando encontrei o documento, a mesma estava entre às folhas do caderno, avulsa, solta e sem estar dentro de envelope de postagem. O personagem Francisco, é o filho que morava em Teresina. Canto da Volta é o lugar da propriedade do meu avô e que na época fazia parte do município de São José do Peixe, hoje pertence ao município de São Miguel do Fidalgo.
Sou um mero apreciador de objetos, digamos assim “velhos”. Eu tenho no meu escritório uma bancada com alguns tipos de raridades. Pelo menos, caro leitor, assim o considero. Nas prateleiras de um móvel encomendado para esse fim, tenho um Ferro de Passar Roupas, tipo aqueles que colocavam brasas acessa no seu interior para aquecer o eletrodoméstico. Uma Panela de Ferro. Uma Aratraca (armadilha feita de ferro para capturar felinos de grande porte). Um Cadeado robusto, que pelo formato deve ter alguns janeiros. Uma Vitrola e vários Discos de Vinil nos formatos grande e pequeno. Cédulas de Dinheiro de várias épocas e Moedas idem... Algumas dessas relíquias foram doações. Já a Carta é uma peça em particular. Quando a encontrei levei comigo, não pelo o seu teor, mas pelo o significado e o valor que ela representa no transcurso do tempo.

(*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com

    

Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 04/01/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

sábado, 3 de janeiro de 2015

Retrato da realidade



Caminhando pelo centro da cidade ouvi uma senhora argumentar com um rapaz o seguinte: “Estamos próximo do dia 25 e pouco se fala do Natal”. Continuei o meu percurso, no entanto, fiquei a pensar nesta frase, e decorridos alguns minutos a memória rebobinou um fio de lembrança. Na inocência de criança, na noite que antecedia o Natal, tomava banho antes do anoitecer, vestia uma roupa nova, calçava o chinelo (muitas vezes o sapato), jantava e tão logo o dia adentrasse a noite já estava pronto para ir dormir e agasalhar o calcante em baixo da rede. “Papai Noel só vai dar presente para quem tomar banho e dormir com o calçado debaixo da rede”. Explanava a genitora que queria que os filhos fossem dormir só depois de tomar banho e que andassem sempre com os pés calçados. Eu acreditava na bondade do bom velhinho. Ansioso, deitava cedo da noite para receber o presente. Acordava na madrugada, ainda com um escuro de meter o dedo no olho, e passava a mão debaixo da rede para ver se tinha presente. O embrulho estava lá. Era uma alegria imensurável. Eu não conseguia mais dormir com tamanho contentamento e acordava os demais irmãos para compartilhar a felicidade.
O que mais ganhei de presente de Natal foi bola. Todas de borracha, aquelas mesmo bem comuns. Logo que o dia raiava eu corria na casa da minha avó que ficava a alguns metros para contar o que tinha ganhado e chegado em disparada falava: vovó, Papai Noel mim deu uma bola, no ano passado ele também mim deu uma bola. Minha avó retrucava: “Pois ele quer que você seja um jogador de futebol, te deu outra bola”. Ouvindo essas palavras eu colocava a bola no chão ainda dentro da casa e saia chutando e correndo atrás. Diante de tanta empolgação, meus irmãos mais velhos começaram a revelar o segredo afirmando que não era o velho de barda longa, vestido de roupa vermelha e que andava com um saco cheio de brinquedos quem colocava os volumes debaixo da rede, e que tudo era uma farsa. Não acreditei. Revidei aquele insulto. Eu não podia ouvir expressões com tamanha barbaridade de um senhor que andava distribuindo presentes para as crianças na calada da noite.        
Tempo depois, os presentes cessaram. Já grandinho e abandonado pela infância, descobrir que era minha mãe, minha avó e minha tia as autoras de tanta felicidade a este “menino que ainda existe”. O tempo muda e os valores pouco a pouco vão se perdendo. A relação das crianças com o Papai Noel não tem mais o mesmo significado que tinha outrora. O advento da tecnologia adentrou nas casas e emancipou a infância da molecada. As liturgias feitas em vésperas de datas significativas evadem-se a passos largos. As manifestações como as festas do Natal, Reisado, dança de São Gonçalo, Semana Santa, dentre outras, com o passar do tempo estar desmerecendo o sentido no quesito o qual era tão celebrado. As datas típicas marcadas no calendário, que são dignas de comemorações pelas suas passagens e marcadas com muita apreciação até então, perdem-se no tempo. Resgatando o retrato da realidade para o momento inerente, pouco se ouve falar e/ou praticar o ritual de algumas culturas que em um passado próximo eram festejados na sua essência. Eu faço a minha parte, faça a sua. Cultura é identidade.      

(*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com


Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 28/12/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).
Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo: