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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Água de chuva


        Domingo amanheceu com um calor escaldante. Na sombra o termômetro marcava quarenta graus. Essa temperatura não foi registrada apenas no domingo, mas durante uma boa parte do ano. A esperança é que chegou o mês de novembro e no nordeste brasileiro é a época em que dar sinal o característico inverno. A expectativa do nordestino renasce quando começa cair os primeiros pingos de chuva no solo esturricado. “O barreiro esta na lama e a roça está limpa, quase não tem mais água nem pastos para os animais” Lamenta o sertanejo. Devido os efeitos da estiagem os animais emagrecem e o criador não consegue desfazer do rebanho e quando consegue vender é a preço de “banana” por estar tão magro. Mas não tem outra saída. “Não é de ver os bichinhos morrer”. Reclama o fazendeiro.  
Para alegria dos viventes do torrão a chuva apontou na segunda-feira. Ninguém viu a cor do sol nesse dia. São Pedro começou abrir as torneiras na antemanhã e se prolongou por quase o dia inteiro. Ora as gotas caiam com intensidade, ora afinava. Fazia tempo que não era visto uma chuva com tantos milímetros em um único dia. Para quem estava diuturno acostumando com um calor insuportável, o clima ficou agradabilíssimo. Uma verdadeira festa não só para os criadores que labutam diariamente procurando a sobrevivência dos animais e nem para os agricultores que necessitam da terra molhada para colocar em prática a arte do ofício, mas para todos que vivem nas agruras esperando os pingos de água tombar do firmamento para amenizar o sofrimento causado pelas consequências do verão.
As dez da matina um cidadão magro de “cabelos e bigode de intensa alvura”, chapéu de massa, calca brim, camisa de manga curta e sapatos de couro, estava sentado em um estabelecimento fitando a chuva serena banhar as pessoas e os carros que trafegavam na via movimentada de Picos. Um senhor de porte ereto, cabelos grisalhos, calca jeans, camiseta (estilo polo) e de botas de vaqueiro se aproximou: “Bom dia compadre Conrado, choveu lá em Sussuapara?” Prontamente o ancião retrucou: “Bom dia Anastácio, choveu sim e foi água compadre, a chuva começou às três da manhã, vim aqui na cidade resolver uns problemas, mas quando sair de lá oito horas ficou chovendo”. Conrado interpelou: “Eu encontrei com o Chico de Gabriel e ele disse que já veio hoje do Ipiranga e lá ficou chovendo.” Anastácio indagou: “Parece que é geral, estava precisando mesmo compadre que a seca estava grande, quem mais sofre são os animais”.           
Após despedirem-se com um gesto de aperto de mãos, Anastácio se distanciou e Conrado continuou contemplando a paisagem proporcionada pela beleza das águas pluviais. Quando as primeiras águas caem no torrão, à pluviosidade limpa a poeira das estradas, lava a calha dos telhados, nascem às primeiras ramas, aviva o canto dos pássaros, fortalece o berro do rebanho, altera a sensação térmica... Dar vida a alma do ser. A água de chuva é uma dádiva que desaba do céu para germinar a vida no solo endurecido, e tão logo pousa na terra as árvores retorcidas, cinzentas e secas que pareciam estar mortas, começam a vigorar e o verde se espalha pela vegetação da caatinga. Inicia-se um novo ciclo.      


                         (*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com

Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 25/11/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

domingo, 16 de novembro de 2014

As cores de Oeiras

             Heitor mora em Picos e no final de semana dirigiu-se a Oeiras para visitar Letícia, sua filha de oito anos que reside na cidade. Já faziam trinta e quatro dias que não se viam. A saudade entre os dois estava transbordando, no entanto, quase todos os dias se falavam por telefone. Heitor e Letícia combinaram o encontro no sábado para amenizar a saudades. Aterrissando na Primeira Capital, Heitor teve como cartão de visitas um forte abraço e um formidável beijo da filha. Após a cena aconchegante seguiram para o centro da cidade em excursão. O meio-dia apontou e a escolha do local para o almoço fica a cargo da filha, que prontamente elege o restaurante desejado. Os dois permanecem no lugar por uma hora e antes, durante e depois da refeição conversam harmoniosamente. 
Saciados, chega o momento de evadirem-se da casa de pasto. Seguem rumo à casa de uns parentes que habitam na cidade. O dia estava com um sol a pino. Passados alguns minutos com os familiares, a filha chama o pai para continuar a peregrinação pela cidade. A praça situada em frente à Igreja Catedral de Nossa Senhora da Vitória foi o ponto escolhido para dar inicio a jornada vespertino. Ficaram sentados por uns instantes na sombra de uma castanhola, e entre uma conversa e outra os olhos fitavam as paisagens e aproveitando o cenário em volta começaram a tirar fotografias, usando como pano de fundo a Catedral, o Museu de Arte Sacra, o Cine Teatro Oeiras, este tem a grafia do ano 1940 lavrado na fachada... Prédios do Centro Histórico e Cultural da cidade. Quase em frente onde estavam na Praça das Vitórias, o prédio da Prefeitura Municipal que outrora abrigou o Círculo Operário, antiga casa de Câmara e Cadeia da Província do Piauí, fazia parte do adorno.
Induzida pelo calor escaldante, a sede aguçou, então foram ao “Bar Dois Irmãos” (um estabelecimento que fica na frente do Museu), procurar água para refrescar a garganta. Compraram duas garrafas de água mineral e saíram em direção ao Passeio Leônidas Melo/Praça da Bandeira onde agrega os edifícios do Cine Teatro, Associação Comercial e o Café Oeiras. Beberam a água e ficaram por alguns minutos num banco em baixo de uma sombra refrigerada. Admirando o panorama ao entorno, Heitor comenta com Letícia sobre a casa ao lado da Praça das Vitórias (o Espaço Cultural Solar das Doze Janelas), a filha retruca: “é a Casa das Doze Janelas papai, eu fui lá no dia que teve um passeio do colégio”. A filha vendo o interesse do pai pelo assunto pertinente continuou: “eu também fui naquela casa, o dono dela tinha escravos”, apontando para uma casa que fica na mesma fileira do belíssimo prédio da Prefeitura. Como em Hollywood o nome “OEIRAS” estar grafado no alto do Morro da Cruz, e Heitor ao mostrar para Letícia o ponto turístico (visto da praça) localizado há alguns quilômetros, a curiosidade da filha foi despertada e lá foram os dois ao encontro de novas descobertas.
No caminho de volta ao avistar o Morro do Leme: “papai vamos lá na santa”, demandou a filha. O pai estava cansado das andanças mais não relutou. Prosseguiram em direção ao morro que tem bem no alto a estátua de Nossa Senhora da Vitória, padroeira do Piauí e da cidade. Após chegar e dar uma vista em volta, começaram a galgar os degraus até se ater aos pés da Santa. Assim como no Morro da Cruz, a vista da cidade do alto do Leme é privilegiada. Parabéns aos dois pela caminhada nas “cores de Oeiras”. Na próxima ida a Capital da Fé, aconselho continuarem a visitação pelo Patrimônio Cultural, e se eu for autorizado, como neste, o passeio ganhará vida.      

                         (*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com

Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 15/11/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).
Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Paraíso perdido

          Os riachos, a lagoa, os poços de água quente, a forma exuberante dos morros, a cultura regional e tudo o mais posto no seio do lugar são patrimônios cravados no coração do fidalgo. Perdido no meio do sertão piauiense, Banco de Área, outrora um povoado, transformou-se na cidade de São Miguel do Fidalgo. O bucolismo remoto espalhados em cada canto do imenso território transmutou-se com a agitação guiada pelo impulso do desenvolvimento. A calmaria do éden situado à beira da lagoa de águas cristalinas permutou com a euforia dos roncos dos motores. O progresso chegou e a magia de até então, foi levado pelas manobras das benfeitorias emplacadas pelo processo da evolução espontânea. A simplicidade campestre transformou-se na modernidade dos centros.
As estradas estreitas de terras com barrancos de área de um lado e de outro do percurso em alguns trechos, dificultava o tráfego, e juntamente com as poças de lama causavam muitos atoleiros nos veículos. Nada que ofuscasse o brio do paraíso. As trilhas eram uma grande aventura para os visitantes, e que os levavam, ao portento das belezas plantadas no coração do sertão. Logo as estradas vicinais deu lugar às vias asfálticas e encurtou os caminhos e apressou o movimento do vai e vem dos automóveis. Linda um tanto quanto, dentre aos patrimônios, a Lagoa do Fidalgo é um oceano de águas azuis, “um mar no meio do sertão, / espelho do céu em noites estreladas”, balneário de ponta a ponta, um verdadeiro monumento da natureza. O paraíso continua ileso, no entanto, o aceleramento da progressão, tornou-se a vida mansa em que levava o sertanejo no campo mais frenético. A paciência do pescador que passava horas e horas parado no meio da lagoa, dentro de uma canoa e em completo silêncio com a vara de pescar na mão esperando o peixe beliscar a isca e o caçador que saia com a capanga cheia de pedras (já catadas antes, para servir de munição) e com a baladeira na mão adentrando mata adentro e pisando macio para não espantar as presas, essas virtudes quase já não existem.  
Casebres de chão batido, água barrenta nos potes, panelas em trempe, noites escuras clareadas com velas a querosene, labuta com os animais (gado, ovelhas, cavalo, jumento...) e a lavoura na roça... Um tudo o quanto no que é visto no panorama da vida interiorana, evoluiu-se para tudo que há de mais moderno, e o moderno com o passar foi se modernizando. Essa é a lei. O paraíso perdido do fidalgo arraigado no bucolismo do meio do sertão aos poucos foi progredindo pelas vias do sistema natural. A metamorfose almejada no inconsciente do sertanejo faz jus ao ditado que diz: “cuidado com o que você deseja, o seu desejo pode-se realizar”. O novo manou para o bem de todos. Nada tira o brilho do encanto, no encanto de toda a beleza espalhada pela imensidão do torrão. 
A venustidade cravada na terra castigada pela seca é uma providência de Deus. O sossego transmitido pela paisagem em meio ao enraizamento do complexo turística inspira a paz e a tranquilidade. O paraíso perdido aos poucos foi sendo revelado, todavia, não tanto como ele é, mas tudo como antes, continua intacto na memoria do “menino que ainda existe”. Conheça o vale do fidalgo.

                         (*) JOSSELMO BATISTA NERES é funcionário do Banco do Brasil
E-mail: josselmo@hotmail.com
 Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 09/11/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

domingo, 2 de novembro de 2014

Casa de taipa

         A necessidade da alma fala mais alto, não tive como me curvar do ofício. Com o reflexo do cenário de outrora oscilando na memória querendo ganhar vida, não relutei, logo comecei a escrever esta crônica. A imagem do panorama das reminiscências principia no lugar Canto da Volta ao entorno da casa de Taipa. Uma espécie de edificação com pau-a-pique, entretecida de varas, cipó, barro, estrume de gado e pedra. A casa referente é coberta com telhas. Portas e janelas feitas de madeira serrada. O modelo das portas é do tipo partidas ao meio (parte de baixo e parte de cima). 
           A paisagem em volta com o passar do tempo foi se modificando. A visão da localidade mudou em todos os aspectos, assim como as pessoas vão se adaptado e acompanhando o desenvolvimento de cada realidade. Esse é o preceito básico do fundamento natural. Para centralizar o quadro da mudança não precisa voltar muito no tempo. Não careces retornar ao lugar antes perambulado, é só observar a vivência na circunscrição. As aldeias simples e ingênuas dantes vão se transformado pelos motores do mecanismo sistemático. Isso foi o que aconteceu com a casa de Taipa. Em geral as paredes rústicas, com a evolução passaram a ser construídas de adobe (cru e/ou assado), seguindo pelo estágio da alvenaria e bem à frente com a utilização de blocos. Dentro de cada época ouve a transformação de todos os tipos de materiais usados para erguer e solidificar os prédios.
         As cadeias evolutivas nutrem os pensamentos com as gravuras do meio envolvente, assim como, as formas de vivência vão sendo alteradas. Não muito distante, na casa de Taipa alusiva, o escuro silencioso e vazio das noites tenebrosas era amparada pela Lamparina a querosene. O liquido que fazia a combustão, era colocado no recipiente e o pavio feito de algodão dava claridade ao ambiente. Com a modernização dos tempos aparece o Lampião a gás, e bem logo veio à amplitude da virilidade luminosa com a Lâmpada movida à energia elétrica. Com o avanço da eletricidade os eletrodomésticos ganharam ênfase no cenário em progresso. O Ferro de engomar dantes movido com a combustão de brasas (carvão acesso colocado dentro do eletrodoméstico para aquecer), com a amplitude da propagação das redes de energia, assim como o ferro de passar roupas, todos os aparelhos elétricos de uso doméstico ganharam praticidade.
            Na casa de Taipa a água barrenta do cacimbão era a que abastecia os potes, consequentemente vem o poço tubular e na recente modernização a água chega de forma encanada, é só abrir as torneiras para se deleitar com o liquido precioso. Para cozinhar os alimentos, usava-se a combustão da lenha, depois veio o carvão, o fogão a gás e mais hodierno o micro-ondas que serve, um tanto quanto, para esquentar os alimentos, como para preparar alguns pratos. Os meios de transportes mais utilizados era o jumento e o cavalo, a bicicleta era um veículo de luxo para as pequenas viagens (a magrela ao passar do tempo serve quase só, para oxigenar o cérebro, as famosas pedaladas), no entanto, logo veio à popularização da motocicleta, um transporte prático, baixo consumo e eficiente, e em seguida os automóveis. O jumento e o cavalo, quase que por completo, alcançaram a carta de alforria. Para chegar à etapa da modernização, o processo segue o círculo natural. O que foi de último préstimo ontem, amanhã já pode está obsoleto. As construções em todos os aspectos da existência trilham a doutrina da lei natural.
           
                         (*) JOSSELMO BATISTA NERES 
E-mail: josselmo@hotmail.com 

Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 02/11/2014 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).

Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo: