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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Guerra d'água

Edição:  1576 |  15.Dez.99


 Matéria publicada na Revista ISTOÉ na Edição:  1576 |  15.Dez.99. 

             São quilômetros de solo cinzento esturricado, exalando forte cheiro de enxofre. Em muitos trechos, o chão é coberto por cristais de sais minerais. A paisagem é lunar. Uma canoa abandonada, calcinada pelo sol, faz lembrar que há pouco tempo existia água em abundância na lagoa do Fidalgo, no semi-árido do Piauí. O drama da lagoa, que era uma das mais piscosas do Estado, começou em 1972. Um poço, com mil metros de profundidade, foi perfurado pelo Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) na cidade de São Miguel do Fidalgo, à época distrito da cidade de Paes Landim, próximo da lagoa. A água jorrou forte e entusiasmou os moradores da região. Poderia estar ali uma garantia de perenização dos rios e lagos da região durante as secas. A festa durou pouco. A água era quente, quase 50 graus. Para piorar, tinha sais de magnésio, cálcio e potássio em excesso e alto teor de enxofre, não servindo para consumo humano. Para irrigação, só com tratamento especial. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), que encomendara o serviço, mandou furar outro poço, tentando reduzir a pressão da água. Não adiantou. Os poços foram tapados, o que causou mais problemas. A água, vinda de um gigantesco lençol a quase mil metros de profundidade, rompeu o revestimento, se espalhou pelo solo e passou a jorrar, quente e malcheirosa, por toda a região. Os poços foram então reabertos, esguichando água até hoje.
             O desastre ecológico só foi notado na seca de 1983, quando o nível de água da lagoa de 13 quilômetros de extensão baixou: mortandade de peixes, cágados e jacarés, água imprestável para o consumo e progressiva salinização da lagoa. “Na época, o susto foi grande. Mas, com o tempo e a volta das chuvas, o problema do vale do rio Fidalgo ficou esquecido”, recorda o deputado federal Wellington Dias (PT-PI), nascido na região. Novos períodos de seca nos últimos anos agravaram a situação: enquanto o rio praticamente secava, os poços continuaram a jorrar água sulfurosa. Este ano, depois de dois anos de seca, a lagoa, antes um oásis no meio do semi-árido do Piauí, secou de vez. Corrigir o desastre custa caro, mas é possível. Projeto elaborado há quatro anos pelo engenheiro especialista em barragens Norbelino de Carvalho prevê o uso da água do rio Piauí (onde deságua o rio Fidalgo) para encher a lagoa, diluindo os sais e o enxofre depositados desde 1972. A água seria captada no rio Piauí e bombeada, através de um canal, para as lagoas do Vasco e do Fidalgo. Uma barragem de 2,50 m de altura e 360 metros de largura seria feita na boca da lagoa do Fidalgo para reter a água. Na época das cheias, a água acumulada seria liberada rio abaixo. “Tudo custaria R$ 8 milhões e as 22 lagoas ao longo do rio Fidalgo voltariam a ser um oásis”, garante Norbelino. Quando o projeto foi apresentado em 1995, o governo do Piauí alegou não ter verbas e que a responsabilidade era do governo federal.


Nada foi feito pelas autoridades. A ideia da obra da barragem foi abandonada e os poços estão matando a lagoa. 

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