A
ordem do tempo nos leva onde o fluxo da consciência embasa a noção do
espaço-tempo. As ações são inatas. O drible na jornada começa com o primeiro
choro. Na verdade “quem não chora não mama” não é mesmo? Usamos a todo instante
o período sem interrupção que o divino nos brindou, para tirar proveito de
situações com as armadilhas da trapaça. Modo errôneo chamado “jeitinho” para
alcançar o fim pelo meio. Nas fases da caminhada semeamos ideias obsoletas,
plantamos árvores sem sombras, regamos plantações sem fruto... Ultrapassamos na
faixa continua, fazemos manobras pelo acostamento das vias, desobedecemos aos
sinais de trânsito, renegamos as passarelas... Presenciamos a truculência de infância
roubada, de juventude ludibriada... Da vida adulterada pelas próprias circunstâncias.
Em uma parte da vivência marchamos sem destino, à outra assiste a obscuridade
de camarote. Em todos os períodos inerentes fora do plano legal, disperso as
regras do entendimento, alheio aos padrões da normalidade (não que seja de todo
anormal) e paralelo ao habitual, torna-se pela força da expressão um tempo
clandestino.
O tempo simboliza o intervalo no compasso
da caminhada e é representado pela imagem da visão no momento em pulsação. O hoje.
O agora. A duração dos fatos voa em um estalo de dedos e a agitação frenética
dos “filhos do asfalto” com tantos afazeres, clandestina a fase em andamento e quando
já se dá conta chega à noite para “encardir um dia após o outro” e preparar a
vida para o raiar seguinte. Nasce o novo amanhecer e o mundo continua girando, girando.
As pessoas sempre arruma um jeito para usurpar a cronologia do curso e tirar
vantagens uma sobre as outras. Tempo que rouba o tempo. Obter préstimos trampolinando
a engrenagem da existência, prejudica quem anda fiel à trajetória do percurso.
O ímprobo ritmo do sistema causa desordem nas veracidades do tempo presente.
Aliás, “tempo presente” é um título que tentei roubar para a epígrafe de um
projeto, relutei, foi difícil, mas consegui abandonar a ideia. A inscrição já
pertence a outros. Seria um surrupio as claras. Entre umas e outras, faz parte
da inquietação e da fragilidade humana, querer chegar ao destino rompendo os
limites do atalho e usar o esforço mínimo para alcançar o objetivo final. Quem
não quer?
Parte
da vida o dito momento trapaceia o momento e progride na mesma proporção. Uma
parte anda sobre os trilhos, a outra segue pelas veredas da clandestinidade.
Querendo ou não está no inconsciente de cada um como já se fosse tudo normal. E
não é? Na correria do dia a dia, nem damos conta, que parte da preciosa andança
é furtivo. Ações como “furar” a fila no banco, no consultório, no
supermercado... Pular a catraca ou entrar pela parta dos fundos do coletivo
para não pagar a passagem. Colar o gabarito da prova. “Ctrl C, ctrl V” na elaboração das pesquisas... Comprar trabalhos
escolares. Puxar o tapete do “colega”... Regular a realidade em ilusão e
transformar a mentira em verdade, se não for ilícito, no entanto, é no mínimo
devasso.
O
vocábulo clandestino soa aos nossos ouvidos como algo que é realizado ou que
acontece disfarçadamente, feito às escondidas, oculto. A explicação por si só
vem como algo ilegal, fora da lei, contrário aos padrões dos pensamentos
positivos. A palavra tem um sentido depreciativo e estar à margem da
descriminação. Existem controvérsias. Mas afinal, o que é tempo clandestino? Já
é tarde da noite. Vou dormir. Já basta o tempo que roubei do sono.
(*)
JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail:
josselmo@hotmail.com
Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 05/02/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso). Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:
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