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sábado, 7 de fevereiro de 2015

Tempo clandestino

A ordem do tempo nos leva onde o fluxo da consciência embasa a noção do espaço-tempo. As ações são inatas. O drible na jornada começa com o primeiro choro. Na verdade “quem não chora não mama” não é mesmo? Usamos a todo instante o período sem interrupção que o divino nos brindou, para tirar proveito de situações com as armadilhas da trapaça. Modo errôneo chamado “jeitinho” para alcançar o fim pelo meio. Nas fases da caminhada semeamos ideias obsoletas, plantamos árvores sem sombras, regamos plantações sem fruto... Ultrapassamos na faixa continua, fazemos manobras pelo acostamento das vias, desobedecemos aos sinais de trânsito, renegamos as passarelas... Presenciamos a truculência de infância roubada, de juventude ludibriada... Da vida adulterada pelas próprias circunstâncias. Em uma parte da vivência marchamos sem destino, à outra assiste a obscuridade de camarote. Em todos os períodos inerentes fora do plano legal, disperso as regras do entendimento, alheio aos padrões da normalidade (não que seja de todo anormal) e paralelo ao habitual, torna-se pela força da expressão um tempo clandestino.

O tempo simboliza o intervalo no compasso da caminhada e é representado pela imagem da visão no momento em pulsação. O hoje. O agora. A duração dos fatos voa em um estalo de dedos e a agitação frenética dos “filhos do asfalto” com tantos afazeres, clandestina a fase em andamento e quando já se dá conta chega à noite para “encardir um dia após o outro” e preparar a vida para o raiar seguinte. Nasce o novo amanhecer e o mundo continua girando, girando. As pessoas sempre arruma um jeito para usurpar a cronologia do curso e tirar vantagens uma sobre as outras. Tempo que rouba o tempo. Obter préstimos trampolinando a engrenagem da existência, prejudica quem anda fiel à trajetória do percurso. O ímprobo ritmo do sistema causa desordem nas veracidades do tempo presente. Aliás, “tempo presente” é um título que tentei roubar para a epígrafe de um projeto, relutei, foi difícil, mas consegui abandonar a ideia. A inscrição já pertence a outros. Seria um surrupio as claras. Entre umas e outras, faz parte da inquietação e da fragilidade humana, querer chegar ao destino rompendo os limites do atalho e usar o esforço mínimo para alcançar o objetivo final. Quem não quer?
Parte da vida o dito momento trapaceia o momento e progride na mesma proporção. Uma parte anda sobre os trilhos, a outra segue pelas veredas da clandestinidade. Querendo ou não está no inconsciente de cada um como já se fosse tudo normal. E não é? Na correria do dia a dia, nem damos conta, que parte da preciosa andança é furtivo. Ações como “furar” a fila no banco, no consultório, no supermercado... Pular a catraca ou entrar pela parta dos fundos do coletivo para não pagar a passagem. Colar o gabarito da prova. “Ctrl C, ctrl V” na elaboração das pesquisas... Comprar trabalhos escolares. Puxar o tapete do “colega”... Regular a realidade em ilusão e transformar a mentira em verdade, se não for ilícito, no entanto, é no mínimo devasso.
O vocábulo clandestino soa aos nossos ouvidos como algo que é realizado ou que acontece disfarçadamente, feito às escondidas, oculto. A explicação por si só vem como algo ilegal, fora da lei, contrário aos padrões dos pensamentos positivos. A palavra tem um sentido depreciativo e estar à margem da descriminação. Existem controvérsias. Mas afinal, o que é tempo clandestino? Já é tarde da noite. Vou dormir. Já basta o tempo que roubei do sono. 

 (*) JOSSELMO BATISTA NERES
E-mail: josselmo@hotmail.com

 
Crônica publicada no Jornal Diário do Povo do Piauí em 05/02/2015 na página 02 - Opinião (Jornal Impresso).  Pode também ser conferido na íntegra na Edição Eletrônica no endereço abaixo:

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