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sábado, 16 de outubro de 2010

Torquato, uma figura em pedaços

A vida breve, mas fecunda, de Torquato Neto (1944-1972) é uma síntese da grandeza, mas também dos abismos que definem a cultura alternativa e rebelde dos anos 60 e 70. Mais importante pensador do movimento da Tropicália, letrista, poeta, cineasta, ator, Torquato ganha, mais de três décadas depois de seu enigmático suicídio, uma bela biografia, assinada por Toninho Vaz (“Pra mim chega/ A biografia de Torquato Neto”, Editora Casa Amarela.
Como discípulo fiel do mito alternativo, Torquato tinha como ideal destruir o mundo para, nesse mesmo gesto, fazer o parto de um novo. Uns poucos se lembram do empenho, da identificação secreta, com que ele representou o papel de Adão no curta-metragem em super 8 “Adão e Eva, do Paraíso ao Consumo”, produção marginal de oito minutos cujos negativos se extraviaram. É emblemática, e mais conhecida, a altivez com que ele aparece, ao lado de Gal Costa, na capa do LP “Tropicália”.
Em sua festa de 28 anos, comemorada em um bar da Usina, no Rio de Janeiro, o amigo João Rodolfo do Prado, na época editor da “Última Hora” (jornal em que, entre 1971 e 72, Torquato Neto assinou a famosa coluna Geléia Geral) também o viu com o carisma de um iluminado. “Torquato estava messiânico, dando conselhos e distribuindo tarefas”, relata ao biógrafo Vaz. “Ele estava fazendo uso de uma lógica própria, como se estivesse mergulhado num mundo inatingível.”
Mais objetivo, Toninho Vaz prefere assinalar que “é provável que Torquato estivesse fazendo uso de cocaína”. Outra testemunha, o jornalista Luís Carlos Maciel, prefere pensar em uma “viagem” de LSD. Como diz o próprio biógrafo, já não importa saber “qual a substância química que o poeta usou na sua despedida”. Na madrugada seguinte ao aniversário, de volta de uma ronda pelas boates da zona sul, Torquato se trancou no banheiro, ligou o gás e esperou a morte. Foi encontrado só na manhã seguinte, pela empregada Maria da Graça.
Antes disso, em um caderno espiral, ele rabiscou um bilhete enigmático: “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago que ele pode acordar.” Thiago era seu filho de 3 anos, que dormia num quarto ao lado. Às 9 horas da manhã, Torquato Pereira de Araújo, neto (assim mesmo, com uma vírgula no nome) foi considerado oficialmente morto.

José Castello

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